Em termos federais, é um desastre, é uma política de destruição total da cultura e do audiovisual”, avalia Sérgio Machado  

O cinema baiano e nacional passou por uma evolução ao longo dos últimos 20 anos, com políticas de descentralização, e vive, na atualidade, um momento de total desastre, que só não é pior pelo surgimento dos canais de streaming. A avaliação é do cineasta Sérgio Machado, roteirista e diretor do episódio “Agora é Cinza”, um dos três que integram o longa-metragem “3 Histórias da Bahia”, lançado em 2001. Em entrevista ao Observatório do Audiovisual Baiano, o diretor falou sobre as dificuldades de se produzir cinema numa realidade de baixo orçamento, as mudanças ocorridas no setor, e criticou as “políticas de destruição” do governo Bolsonaro.

1.     São 20 anos desde o lançamento do longa ” Três Histórias da Bahia”, no dia 31 de maio de 2001. Esse lançamento veio após uma lacuna de mais de 20 anos sem produções de longas-metragens no estado. Quais eram os principais empecilhos para se realizar grandes produções na Bahia naquele momento?

Empecilho total, porque era época dos anos Collor, no Brasil, a atividade de produzir cinema já estava devagar, na Bahia então… já tinham começado a retomar o cinema brasileiro, mas na Bahia não rolava, demorou mais, faltou uma política de Estado, de pensar, de fazer… então, era muito difícil. Eu me lembro que, quando comecei, me sentia totalmente pioneiro. Eu fiz o meu primeiro filme sem nunca ter tido, praticamente, entrado em um set de filmagem. Era tudo meio que começar do zero, tinham produtoras que faziam publicidade, tinha uma produção de vídeo, mas a produção de longa-metragem não existia. Eu, particularmente, não conhecia ninguém da minha geração que fazia cinema, eu não fazia parte de uma turma que vinha produzindo curtas nem nada. Então, pra mim foi um processo de total pioneirismo, era começar tudo meio do zero. Não tinham profissionais; para fazer o filme o orçamento que a gente tinha era muitíssimo baixo, vários profissionais eu recrutei colocando cartazes nas universidades, quase todos estavam fazendo filmes pela primeira vez.

A gente estava vivendo esse período da recessão do cinema Baiano, não só Baiana, mas o cinema brasileiro como todo. Como a gente estava conversando, a gente só vai conseguir ter um movimento mais intenso a partir de 2000, 2002.

O cinema Brasileiro já  tinha começado né, já tinha feito  “Terra Estrangeira”, “Carlota Joaquina”, mas a Bahia demorou mais que os outros para entrar na produção audiovisual.

2. O filme “Três histórias da Bahia” foi resultado de um concurso de roteiros de curtas que premiou cada um dos diretores envolvidos nessa produção. Como foi o processo de transformar esses três roteiros numa obra de 90 minutos?

Na verdade, esses roteiros não foram trabalhados para virarem longas, os três são filmes de episódio; a gente, simplesmente, achou a coisa do carnaval como elemento comum aos três filmes, mas eles não foram trabalhados para se tornarem uma coisa única. A gente aproveitou um gancho que havia, que era a ideia do carnaval, mas eles são muito distintos. São estilos, projetos diferentes, roteiros e gêneros diferentes. Como havia esse vácuo de produção de cinema baiano, a gente aproveitou e juntou os três e fez deles uma coisa só. Mas os roteiros não foram trabalhados para criar uma coisa uniforme.

3 Histórias da Bahia: Agora é Cinza (2001) | Fotos: Reprodução – www.truq.com.br/

3. Passados esses 20 anos de lançamento do filme, como você avalia a evolução das políticas de financiamento, especialmente, do Cinema Baiano?

Agora, a gente está vivendo um momento pior ainda que aquele. Agora, com Bolsonaro, a coisa ficou pior do que era naquela época. A gente está vivendo um momento semelhante aos anos Collor. O que mudou muito, no mercado audiovisual, é que agora tem essa coisa das séries, tem canais de TV, Netflix, Amazon, Disney que vão tocar adiante a produção audiovisual, mas que é também muito restrita, porque esses canais estão muitos localizados no eixo Rio-São Paulo. Então, a gente evoluiu muito durante vinte anos, saímos do zero e, agora, estamos voltando ao zero, de novo, com Bolsonaro, esse pesadelo absurdo que estamos vivendo. Mas, espero que isso acabe daqui dois anos. O momento que estamos vivendo é sinistro, tão ruim quanto aquele que foi o de Collor, ou pior.

4. Como você enxerga os desafios que temos para superar, dentro desse contexto que estamos vivendo?

A primeira coisa é que a gente estava vivendo um momento de evolução, de descentralização da produção audiovisual. Entender que o primeiro desafio de todos é trocar esse governo, porque, com ele, não sei muito… Primeiro, acho que, em termos federais, é um desastre, é uma política de destruição total da cultura, do audiovisual especificamente. Sinto, também, que não existe muita movimentação do governo estadual para suprir esse buraco. Porque se imaginou, se houvesse um consórcio dos governos nordestinos para dar continuidade à produção. Mas, é uma situação trágica para o audiovisual que, realmente, só não é pior, não é tão grande quanto foi a paralisação de Collor, porque os canais de streaming estão produzindo muitas séries. Então, muita gente do mercado audiovisual vai ficar empregada, mas acho que essas pessoas são, na maioria, e essas condições tendem a se concentrar muito no eixo Rio – São Paulo, principalmente em São Paulo.

5. E, diante dessa realidade de concentração, quais caminhos para se movimentar mais a produção audiovisual na Bahia, garantir mais produções no estado?

Primeiro, é isso: sem uma política de governo, que é o que estamos vivendo agora. Inclusive, dizer que a gente não tem uma política de governo é pouco; porque tem uma política de governo para destruir o cinema. Sem uma política de governo nacional, sem uma coisa efetiva estadual, de mudar esse rumo, eu não sei… Acho que as pessoas têm que pressionar o máximo que puder, acredito que mudar, trocar o governo. Porque, estava melhor, tinha uma política de descentralização, de produções no Nordeste, Pernambuco, principalmente, cresceu absurdamente, na Bahia, também, criou uma geração de pessoas. Mas, agora, isso tudo está muito ameaçado.