”Depoimento de Rayssa Coelho, produtora executiva, coordenadora de pesquisa e diretora criativa do site Coleção Preciosa
Ainda na graduação, na segunda metade da década de 2000, quando cursava História na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e era bolsista de extensão do Programa de Extensão Janela Indiscreta, soube da existência da Coleção Preciosa, naquele momento já sob guarda do Museu Pedagógico – Casa Padre Palmeira Uesb, a partir de citações em algumas pesquisas e ações sobre práticas sociais, que sinalizavam para o impressionante acervo de itens de cinema e para paixão e dedicação de Ferdinand Willi Flick à sétima arte. Nomeada pelo próprio colecionador, que era um técnico de refrigeração da cidade de Vitória da Conquista, a coleção reflete os 52 anos de sua vida dedicados à ela. Até a data do falecimento de Seu Flick, em 1997, a Coleção nunca havia sido exposta ao público, mesmo sendo um desejo do colecionador. Em 2004, com a morte de sua esposa, Lêda Flick, a família decidiu transferir todo o acervo para o Museu, a partir de quando houve algumas iniciativas pontuais de exposição de parte desses itens, mas sem a efetiva organização e catalogação.
O desejo pessoal de trabalhar com a Coleção Preciosa permaneceu e, apenas em 2019, foi possível articular uma aproximação com os itens e com a história desse acervo, viabilizada pela aprovação do projeto de realização do curta-metragem “Coleção Preciosa”, dirigido por mim e por Filipe Gama, aprovado no Edital Setorial do Audiovisual 2019, do Governo do Estado da Bahia, e lançado no 26º Festival Internacional de Documentários – É Tudo Verdade 2021. Foi durante a pesquisa para o filme, tendo contato direto com os itens, naquele momento já guardados no Centro de Documentação Albertina Vasconcelos, também vinculado ao Museu Pedagógico e situado no campus da Uesb, que compreendemos, de fato, a dimensão do acervo, tanto pela força do conjunto daqueles muitos objetos que constituíam o que ele chamava de preciosidade, quanto pelo impacto causado por cada um daqueles itens que carregavam não apenas a história de Seu Flick, mas também apresentavam importantes aspectos das práticas sociais de cinema em Vitória da Conquista e, de certa forma, permitiam entender parte da história do cinema no Brasil e no Mundo.
A pesquisa para o filme permitiu, portanto, conhecer a coleção, mas não havia orçamento e tempo no projeto para uma efetiva catalogação e exposição desses itens para além do próprio curta-metragem. Em 2020, consegui aprovar o projeto “Acervo Willi Flick – catalogação, digitalização e exposição on-line”, na linha de projetos da área Audiovisual, na categoria Memória, do Prêmio das Artes Jorge Portugal (Programa Aldir Blanc Bahia), e aí sim foi possível montar uma equipe de pesquisadores para, em um breve período e em meio à Pandemia de Covid-19 (e todas as suas implicações), catalogar o acervo e quantificar os itens. Além disso, o projeto tem como objetivo a realização de um site para apresentar essa coleção, contar um pouco da sua história e expor parcialmente os itens, dando destaque especial para a presença do cinema brasileiro nos objetos, sendo esse o recorte curatorial.
Em um primeiro momento, a equipe foi dividida num trabalho de levantamento de todos os itens, promovendo a retirada de todos os objetos de caixas, organizadores, sacolas plásticas e etc., objetivando a visualização de todo o acervo para se pensar em formas de catalogar esses itens por categorias (cartazes, álbuns de fotogramas, álbuns de recortes, pôsteres, publicações, panfletos de cinemas antigos e cartas trocadas com outros colecionadores), trabalhando em conjunto com um grupo de jovens pesquisadoras e pesquisadores de Vitória da Conquista. Paralelo ao longo e detalhado processo de catalogação desses itens, contando com o levantamento sistematizado dos objetos, foram analisadas e debatidas as melhores formas de expor esse acervo e sua catalogação no site. Foram selecionados alguns itens, a partir do recorte de cinema brasileiro, para que fossem fotografados ou filmados, permitindo ao público conhecer o acervo não apenas pelas tabelas e textos produzidos, mas também por imagens que ilustram esses objetos, parte deles produzidos manualmente pelo colecionador, trazendo detalhes reveladores do seu processo de feitura e de suas práticas.
Como última etapa do trabalho direto com os documentos, foi realizado o acondicionamento dos itens, já devidamente catalogados e identificados, objetivando facilitar o trabalho de futuros pesquisadores e de outras pessoas interessadas em desenvolver ações junto ao acervo. Os pesquisadores sabem que o esforço de organização física dos itens está longe de promover definitivas medidas de preservação do acervo, mas pode facilitar o acesso e manutenção dos mesmos enquanto medidas mais expressivas para a conservação da Coleção Preciosa não podem ainda ser tomadas.
No dia 10 de agosto de 2021, o site entra no ar com a expectativa de apresentar aos interessados acervo de itens de cinema de Ferdinand Willi Flick, mostrando parte da Coleção Preciosa ao público, em uma exposição on-line que é resultado de muito trabalho de uma equipe formada por profissionais do interior da Bahia, mais especificamente do Sudoeste Baiano.