OPINIÃO – Está previsto, mas cadê o dinheiro?
Por Gabriel Pires*
Este texto começa com um merecido reconhecimento ao empenho, dedicação, seriedade e esforço das instâncias governamentais na aprovação, liberação, operacionalização e execução dos recursos oriundos da Lei Aldir Blanc (Lei 14.017 de 29 de junho de 2020). Sem as constantes batalhas dos órgãos estaduais e municipais de cultura, em conjunto com diversos agentes da sociedade civil e congressistas, o setor cultural não teria tido apoio nenhum, por parte do governo federal, diante das diversas calamidades que enfrentamos cotidianamente desde o final do primeiro semestre de 2020. Apesar de todas as loas merecidas aos dirigentes e servidores de Secretarias e Fundações que dão conta do setor cultural, no âmbito das administrações estaduais e municipais, não podemos deixar que a importantíssima questão da descentralização de fundos pelo governo federal se transforme na única pauta de fomento de governos estaduais e prefeituras.
Ainda vivendo o momento de aprovação para a utilização do saldo dos recursos descentralizados a partir da Lei Aldir Blanc e com a discussão recém iniciada da Lei Paulo Gustavo, é possível ver o empenho para que tenhamos, ainda em 2021, mais uma rodada de afluxo de verbas federais para editais operacionalizados pelos governos estaduais e prefeituras. Os montantes seriam maiores do que em 2020, já que seriam incluídos valores oriundos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), além do que partiria do Fundo Nacional de Cultura (FNC). Nós, do Audiovisual, bem sabemos o quanto os recursos (gerados pelo próprio setor, é sempre bom frisar) não vêm irrigando as produções, projetos e empresas da mesma maneira que vivemos quando contamos com um FSA a pleno vapor, como ocorreu até 2018.
Partindo do princípio de que é melhor falar do que está próximo, irei tratar especificamente do Governo do Estado da Bahia e da Prefeitura Municipal de Salvador. O Fundo de Cultura do Estado da Bahia (FCBA) é o principal mecanismo de fomento a setores da cultura e linguagem artística operado pela Secretaria de Cultura (SECULT), tendo seus últimos editais setoriais lançados em 2019. Apesar de a SECULT ter conseguido dar conta de executar quase 90% do recurso descentralizado pelo governo federal, não houve o lançamento de editais do FCBA em 2020. Será que viveremos essa mesma situação em 2021? Uma consulta ao Anexo II da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021 dá conta de que, no orçamento da SECULT, existe a previsão de 24 milhões para o FCBA. Excetuando-se os custos para o funcionamento da instituição, é possível ter o seguinte detalhamento de como está previsto o direcionamento dessa verba:
– R$3.182.000,00 para projetos calendarizados (sem especificar se estes valores são destinados à manutenção dos que ganharam o último edital desse modelo, em 2016, ou à realização de novo edital de seleção);
– R$7.500.000,00 para manutenção e apoio a instituições culturais;
– R$11.000.000,00 para apoio a projetos culturais.
Pela lógica, pressupõe-se que, em 2021, existe uma previsão orçamentária para o lançamento de editais de, no mínimo, 11 milhões de reais. Sim, ainda é pouco para atender a todas as linguagens artísticas e setores da cultura, porém, precisamos ter a certeza de que esse dinheiro de fato seja destinado ao lançamento de novos editais do FCBA. Como, na LOA de 2020, existem as mesmas previsões de valores para o FCBA, e os últimos editais lançados foram em 2019, não há motivos para que não sejam lançados editais pela SECULT.
No caso da Prefeitura Municipal de Salvador, a operação da Política Cultural é realizada pela Fundação Gregório de Mattos (FGM), órgão ligado à Secretaria de Cultura e Turismo. Assim como na SECULT estadual, a FGM deu conta de executar boa parte dos valores recebidos através dos repasses federais. Havia uma crescente constante no número de editais e de verba disponibilizada no calendário de fomento da Fundação. Porém, com o avanço da pandemia, foram suspensos, em 2020, todos os editais em andamento, 04 ao todo, a saber: o Selo Literário João Ubaldo, o Prêmio Samba Junino (que os premiados estão sendo sendo contratados neste ano de 2021), o Ocupação e Dinamização de Espaços Culturais e o Arte Todo Dia**. Também em consulta à LOA de 2021 da Prefeitura Municipal de Salvador, existe a previsão para a FGM de:
– R$3.000.000,00 para fomento à produção artística e cultural;
– R$1.970.000,00 para o desenvolvimento de atividades nos Espaços Culturais Boca de Brasa.
Pela mesma lógica implantada com a SECULT, existe a previsão de ao menos 3 milhões de reais para o lançamento de editais. Novamente, ainda é pouco para dar conta de todas as linguagens artísticas e setores da cultura, e também precisamos ter certeza de que esses valores sejam destinados ao lançamento de novos editais.
A exitosa execução dos valores transferidos pelo governo federal deixa nítida a necessidade de que esses valores previstos nos orçamentos dos governos estadual e municipal não sejam contingenciados. Os resultados dos projetos são razões fortíssimas para que o Governo do Estado da Bahia e a Prefeitura Municipal de Salvador entendam que o investimento em cultura pode ser uma forma de combate direto ao momento de retração econômica, uma vez que a capilaridade que o fomento aos projetos culturais alcança é imensa, além de ser possível a execução das iniciativas contempladas sem causar aglomerações, respeitando os cuidados e protocolos sanitários e evitando contaminações. É preciso também chamar os representantes na Assembléia Legislativa da Bahia e na Câmara Municipal de Vereadores de Salvador para essa luta, afinal, foram essas pessoas que aprovaram as respectivas Leis Orçamentárias.
Se, realmente, os esforços forem voltados à aprovação e implementação de uma Lei Aldir Blanc 2 ou de uma Lei Paulo Gustavo, é preciso que, com os resultados da execução das verbas (como o número de projetos contemplados e a quantidade de profissionais envolvidos), as pessoas responsáveis pela gestão da SECULT e da FGM travem uma batalha interna para que as verbas previstas para o FCBA e para o calendário de fomento municipal não sejam contingenciadas. O momento é duro para a arrecadação de impostos, mas é dever estatal manter o fomento à cultura, ainda mais com a capilaridade que essa verba alcança, espraiando possibilidades e mantendo esperanças de um tempo menos sombrio, seja para os profissionais que recebem para trabalhar nesses projetos, seja para as pessoas que são impactadas pelos frutos resultantes desses trabalhos.
*Gabriel Pires é Coordenador do NordesteLAB, pesquisador do Observatório do Audiovisual Baiano e atua como produtor executivo em obras audiovisuais.
**Após a publicação desse texto a Fundação Gregório de Mattos entrou em contato para informar que o Selo João Ubaldo Ano 3 já está em fase de editoração e Ocupação e Dinamização dos Espaços dos Espaços Culturais está em execução.