ENTREVISTA – Palco de diversos acontecimentos das Artes na Bahia, a casa de Chico Liberato é eternizada em tour virtual
Há 45 anos, Chico e Alba Liberato fizeram uma “escolha de vida” e se mudaram para a casa que hoje abriga uma “verdadeira galeria de arte”, nas palavras da produtora cultural CandidaLuz Liberato. Filha do artista plástico e cineasta Chico Liberato, ela é a coordenadora geral do site “Chico” (https://www.chicoliberato.com.br/), lançado nesta sexta-feira (28/05), com registros da vida e obra do artista. Em entrevista para o Observatório do Audiovisual Baiano, CandidaLuz falou sobre o processo de catalogação das obras e sobre o que o público pode esperar desse espaço. Entre as ferramentas disponíveis, está a cronologia em 3D, que permite a navegação na linha do tempo, com mais de 300 matérias de jornal sobre a produção e atuação do artista. O site conta, ainda, com duas exposições: um tour virtual na casa do cineasta e uma visita à coletânea pessoal de Chico Liberato, exposição montada, em 2020, na Capela do Museu de Arte Moderna da Bahia, mas que não foi aberta ao público por conta da pandemia.
1 – Reconhecendo a longa trajetória artística de Chico Liberato, com trabalhos que transitam entre desenhos, pinturas, artes gráficas, artes plásticas, animação, dentro desse amplo universo, o que podemos encontrar no site “Chico”?
Basicamente, o internauta vai encontrar no site tudo aquilo que a gente conseguiu catalogar. Todas as obras que ele fez estão lá? Não, aquilo representa um percentual do que ele já fez. Existem muitas obras que, revisitando fotografias de exposições, eu me lembrei que existem, mas, por não saber onde estão, não foi possível catalogar. Mas ele fez muito mais. Do que eu consegui o registro – de artes gráficas, artes plásticas e cinema -, está tudo no site.
Tem um texto que conduz o internauta para uma reflexão de quem foi ele enquanto artista, enquanto cineasta e enquanto gestor público. O site disponibiliza, também, algumas ferramentas que permitem um profundo trabalho de pesquisa, como a cronologia em 3D, onde o internauta pode navegar, dia a dia, mês a mês, e acessar todas as matérias de jornal que saíram sobre ele. Essa cronologia é dividida em três segmentos da vida dele – enquanto família, enquanto pessoa ativista e enquanto profissional. Então, todos os momentos estão ali marcados; são mais de 300 matérias de jornal que a gente conseguiu reunir.
O site também tem duas exposições virtuais. A primeira é uma coletânea da coleção particular de Chico Liberato. Essa exposição foi montada em 2020, na Capela do Museu de Arte Moderna da Bahia, mas, infelizmente, não foi aberta para o público, por causa da pandemia. E a outra é um tour na casa onde Chico mora até hoje. Ali, o internauta vai visitar o ambiente onde o artista trabalha, os objetos pessoais dele. A casa é uma verdadeira galeria de arte, com a coleção particular dele toda; o quintal, onde ele circula; os lugares onde aconteceram alguns encontros de amigos, encontros de família, as brincadeiras na casa… São vários plugins com fotos antigas, que remontam acontecimentos ocorridos ali, como é o caso do porão da casa, onde foi produzido o longa Boi Aruá. Então, esse tour também é uma forma que a gente teve de abrir a casa para o mundo, porque a gente já vinha fazendo agendamentos com escolas, mas isso foi interrompido pela pandemia. E a gente não quis interromper esse trabalho, de permitir que as pessoas conheçam a casa onde ele mora, que é uma casa interessantíssima e com histórias para contar.
2 – Ao longo dos 57 anos de carreira artística, Chico Liberato reuniu uma variedade de obras. Quais foram os desafios do processo de seleção para compor o acervo do site?
A gente não teve um desafio da seleção das obras – tudo que a gente encontrou foi colocado lá. O desafio maior foi no sentido da catalogação, que, pela primeira vez na vida, foi feita, com todas as fotografias que a gente conseguiu. Foi muita pesquisa; muitas delas (as fotografias), a gente teve que descobrir em que ano foram feitas; a técnica que foi feita. Algumas obras eu tenho fotografia, mas eu não sei com quem estão. Então, no ambiente de “Entre em Contato”, a gente abre o espaço para quem tiver uma obra de Chico Liberato nos avisar para complementar essa catalogação. A única coisa que a gente teve dificuldade um pouco, nessa parte de curadoria, foram as fotos da galeria. Porque são realmente muitas fotos, muitas, do mesmo acontecimento, e a gente teve que selecionar. Mas a nossa dificuldade maior foi conseguir buscar as informações de tudo que a gente tinha na mão. Todas as informações estão confirmadas com matérias de jornal; são mais de 300 mídias no site.
3 – Como partiu a ideia de incluir, no site, esse tour virtual pela casa de Chico e Alba Liberato?
A casa de Chico e Alba Liberato tem história. Eles se mudaram para lá há 45 anos. Foi um estilo de vida, uma aposta de vida, onde eles se distanciaram do mundo. A gente, na casa, não tinha televisão, a gente lia livros. O único entretenimento na casa era sempre envolto nesses assuntos de arte. A casa tinha vários espaços para trabalhar… Eu me lembro que meu pai fazia os curtas dele; ele contratava equipe; às vezes, as equipes moravam dentro da casa enquanto estavam produzindo o curta. Então, a casa tem história para contar.
O encerramento da Jornada (Jornada Internacional de Cinema da Bahia) aconteceu na casa; ali dentro foi feito o longa Boi Aruá; alguns curtas dele ele gravou a trilha sonora, de noite, na casa… E muita gente circulou e tem saudade daquela casa. Todas as pessoas têm lembranças boas de lá, então, o tour é para registrar essa memória da casa para sempre. A gente não sabe por quanto tempo essa casa vai ficar, nem quanto tempo Chico e Alba vão ficar. Mas esse tour virtual registrou o momento, ele capturou um momento, da gente na casa, numa tarde de sol… Isso vai ficar por não sei quanto tempo – 100 anos, 200 anos… Então, a coisa era registrar o palco de muitos acontecimentos da Bahia, de um casal de artistas que teve presença marcante na história das Artes na Bahia. O objetivo era registrar e deixar para o público, para os amigos que estão espalhados pelo mundo inteiro… A gente tem recebido diversas ligações de pessoas dizendo que têm saudades e que estão adorando ver esse movimento. Então, é isso, é presentear essas pessoas, tentando eternizar essa casa para todo mundo.
4 – Tendo em vista o seu trabalho pioneiro no campo da animação, com uma produção marcada pela presença de elementos da cultura nordestina, indígena, regional, como Chico enxerga seu longo trabalho artístico?
Eu não diria “como Chico enxerga seu trabalho artístico”, porque ele é um cara que faz arte porque essa é a forma que ele tem de respirar, é o ar que ele respira. Então, ele não tem outra opção de vida, ele é aquilo; ele é artista porque é artista. Ele não tem nenhum propósito de tentar transmitir alguma coisa com o trabalho dele, entendeu? Ele não tem uma visão clara do quanto o trabalho dele, de quanto a forma de pensar, de quanto a forma dele se expressar traz coisas positivas para as outras pessoas.
Chico é um cara muito generoso, muito acolhedor, é uma pessoa muito agregadora, isso faz ele feliz. Ele quer que as pessoas enxerguem coisas boas no trabalho dele, que as pessoas enxerguem mensagens de irmandade, de amor ao próximo, de beleza… O trabalho não tem que ser perfeito, tem que ser belo, expressivo, tem que fazer as pessoas chegarem a algum lugar, fazer as pessoas refletirem. E uma coisa que tem na obra de Chico, principalmente no cinema de animação, é que não existe o bom e o mal, não existe o bandido e o mocinho, a dualidade está dentro da própria pessoa. Ele não enxerga maldade nas outras pessoas; a coisa tem que ser resolvida dentro do próprio ser humano, dentro da própria pessoa. Então, com o trabalho dele, ele não tinha uma proposta de “aonde vou chegar” ou “como eu quero chegar”.
Agora, ele é uma pessoa apaixonada pela cultura brasileira. É um compromisso, acho que ele nem sabe o quanto é comprometido com isso. Mas ele é isso da cultura brasileira. No dia a dia dele, você vê essa valorização que ele tem com relação ao índio, ao negro, ao europeu que é manifestado na cultura nordestina/sertaneja. Então, assim, ele tem esse amor por esse lugar onde ele vive. Ele não tem interesse em outras culturas e outras coisas, ele quer isso aqui, ele é apaixonado por esse povo. Ele é isso, ele vê beleza nisso, nessa simplicidade, nessa forma de sentir dos índios, dos negros e dos sertanejos. Essa coisa simples, pura, isso encanta ele. Então, todo o trabalho dele é pautado em revelar a beleza dessas culturas que formam o povo brasileiro. Então, são coisas simples, mas originais, são verdadeiras, não são cópias de nada; Chico nunca quis copiar nada, ele sempre fala que o artista tem que buscar o seu caminho, a sua forma de ver o mundo.
5 – Atualmente, as plataformas digitais conseguiram alcançar uma grande capilaridade, reunindo um público diverso, com diferentes gerações conectadas virtualmente. Qual o público que o site “Chico” espera alcançar?
O site tem um áudio em português, para quem não puder ler, e ele está em inglês e português. Ele tem aquele público de pessoas da terceira idade, que conheceram a vida dele, que são apaixonadas por ele. O trabalho de Chico, em alguns momentos, tem alguns elementos fortes, mas é um trabalho que tem uma delicadeza muito grande. Recentemente, há 2 anos mais ou menos, antes da pandemia, vinham acontecendo visitas constantes de escolas públicas e particulares, com crianças de diversas faixas etárias, até 16 -17 anos. E as pessoas gostam do trabalho dele, porque é um trabalho bonito, encantador, do ponto de vista estético, da beleza, as pessoas gostam daquilo. E quando conhecem ele, Chico é um cara muito afável, muito amigo, muito brincalhão. Então, é difícil segmentar, porque o trabalho dele é acessível a todo mundo.
O trabalho dele é dramático também. Alguns (trabalhos) têm cenas dramáticas, mas não são horrorosas, não são cenas que podem fazer uma criança ficar com medo. São cenas da vida mesmo, mostrando a vida como ela é, sem deixar com que as crianças sejam poupadas da beleza da vida. Porque a beleza da vida está naquilo que a vida é, como ela é, nas coisas doces e nas coisas rudes também. Então, o trabalho é amplo, para todos os públicos. É difícil encontrar (não vou dizer que não existe) uma pessoa que não goste do trabalho dele. É um trabalho alegre, de cor, de paixão, de irmão. É um trabalho que todo mundo gosta.
Imagem: Reprodução do site “Chico”